Reflexão - Os BVAC e o Futuro


Em Maio próximo passam 50 anos sobre a inauguração da 1.ª fase do quartel-sede da "Nossa" Associação, consubstanciada no corpo do edifício ocupado pela casa-escola, sendo então satisfeita desse modo uma preocupação do Comando do Corpo de Bombeiros: a instrução do Quadro Activo, devidamente compatibilizada com as exigências decorrentes da explosão urbana em Agualva-Cacém.

O processo de construção das novas instalações foi complexo e moroso, levando nove anos a ser concluído.

A inauguração oficial do quartel-sede somente se verificou a 11 de Julho de 1971, compreendendo já a 2.ª, 3.ª e 4.ª fases.

Em todo o contexto da obra é absolutamente justo evocar o nome de Manuel Henriques Rodrigues, Presidente da Direcção entre 1961 e 1974, a quem, sem dúvida, se ficou a dever a viabilização do projecto de construção, mercê da sua persistência, do seu engenho e arte…

Abstendo-me de mais referências acerca da sua personalidade, pela simples razão de a recordarmos, a breve trecho, através de um interessante trabalho biográfico elaborado pelo nosso saudoso Companheiro Rui das Neves Machado, limito-me, nesta circunstância, a dizer que Manuel Henriques Rodrigues foi um dos Grandes cuja verticalidade de carácter reverteu sempre, escrupulosamente, em benefício da Associação.

Embora apontado como quartel modelar, muito cedo a área nele compreendida e afecta à componente operacional, nomeadamente o parque de viaturas, começou a revelar-se insuficiente, em razão do sucessivo reapetrechamento e da modernização do Corpo de Bombeiros, tanto ao nível do material do Serviço de Incêndios como do Serviço de Saúde. Por isso, na segunda metade dos anos 70, deu-se a primeira intervenção de ampliação, visando a área do parqueamento, estendendo-a a uma parte da parada ao tempo existente nas traseiras.

Paralelamente foram-se desenvolvendo os primeiros estudos tendentes à efectiva remodelação e ampliação do quartel-sede, os quais vieram a consolidar-se, na década de 90, embora subordinados a novas orientações e concepção arquitectónica, acabando por dar origem ao projecto que converteu o imóvel no seu aspecto actual.

Participei directamente em todo o último período, no âmbito de funções exercidas na Direcção, em mandatos sucessivos, como Vogal, Tesoureiro e Vice-Presidente, pelo que sou também co-responsável pelas opções tomadas ao nível colegial.

Contudo, considero há muito tempo, face às condições físicas existentes, às deficiências de construção e ao avultado custo da obra, executada por administração directa, que a intervenção em causa constituiu um erro, afectando a sustentabilidade da Associação, comprometendo o seu futuro económico-financeiro, bem como tornando inviável a realização de novos investimentos em áreas não menos importantes e necessitadas, caso do reequipamento do Corpo de Bombeiros.

A verdade é que, apesar do sacrifício financeiro suportado pela instituição a fim da satisfação de pesado compromisso assumido perante a banca, enfrentado pelas direcções entre 2000 e 2007, as instalações não atingiram a funcionalidade e a dignidade desejadas, especialmente, na área operacional. É um dado adquirido: o quartel, em especial, ficou mal servido de infra-estruturas!

O custo da obra, equivalente a uma construção de raiz, deveria ter merecido o amadurecimento de outras hipóteses mais eficazes, em detrimento de decisões impulsivas e obstinadas.

Tanto quanto sei, hoje, ambiciona-se a construção de um novo quartel. Não discuto a necessidade, ou antes, a oportunidade de conversão. Todavia, enquanto associado e ex-dirigente, parece-me desejável que, em estudos futuros, as incidências da experiência passada sejam tomadas na devida conta, para que iguais ou semelhantes erros não se cometam.

Face à actual conjuntura económica que o país atravessa, sublinhe-se, sem perspectivas de futuro, no âmbito da qual parece-me ser importante relevar, também, o facto de que a realidade do sector dos Bombeiros em Portugal e as prioridades da tutela, no domínio da organização da Protecção e Socorro, diferem em absoluto dos pressupostos dos anos 90, representa um risco demasiadamente ousado e, até, a meu ver, revela alguma descuidada responsabilidade, elencar, em sede de planificação do futuro, a construção de um novo quartel.

Além do mais, qualquer deslocalização para uma artéria afastada do centro da cidade de Agualva-Cacém, já que não se vislumbram terrenos disponíveis para o efeito, representa igualmente, do meu ponto de vista, um sério risco de desenraizamento da Associação, privando-a do contacto de proximidade com a população, remetendo-a, por essa via, para uma posição distante. E, bem assim, para a função de mera prestadora de serviços, menos consentânea com os princípios e valores que assistem a uma Associação Humanitária de Bombeiros, os quais importa "reinventar", é certo, em razão das transformações verificadas na sociedade dos nossos dias, mas que em nada deverão afectar a matriz da instituição.

A construção de um novo quartel é algo importante de mais que deve envolver o debate colectivo, privilegiando, desde logo e sempre, a participação dos Associados, a quem, recorde-se, pertence a Associação, sendo por isso incompatível com qualquer veleidade de solução e posicionamento unilaterais por parte de quem está investido nas funções de gestão.

E mais ainda: é minha convicção que qualquer intervenção em termos de aquartelamento não pode nem deve demitir-se de um sério, profundo e articulado projecto de reestruturação da Associação no seu todo, que importa encarar como necessário e ver implementado, numa perspectiva de longo prazo, tendo em atenção:


1 - A melhoria qualificada das condições de trabalho e habitabilidade do Corpo de Bombeiros;

2 - A reestruturação do Serviço de Transporte de Doentes Não Urgentes em Ambulância, mediante a adopção dos valores Qualidade - Eficiência - Eficácia, adaptados da cultura empresarial;

3 - A criação de novas fontes de receita, considerando igualmente a reestruturação das já existentes, com vista à substancial redução do nível de dependência financeira da Associação, quer no domínio da subsidariedade, quer em termos do recurso à banca;

4 - Reforçar/ampliar as relações e os laços de solidariedade entre a Associação e a População, tendo por base o fomento do sentimento de pertença e a confiança mútua.


Uma solução, porventura, exequível e mais económica, passaria pela passagem das instalações do quartel operacional para uma parte da Quinta da Fidalga, requalificada/adaptada para o efeito no âmbito de um protocolo de cedência a celebrar com a Câmara Municipal de Sintra, proprietária do imóvel, sendo esta, por tal via, beneficiada com a presença dos Bombeiros que, assim, passariam a garantir a segurança contra incêndios do edifício, mesmo quando, como se perspectiva, o mesmo passasse a acolher vários serviços sociais.

Por sua vez, a área abrangida pelo actual parque de viaturas seria ocupada, apenas, pelo Serviço de Saúde, entenda-se Transporte de Doentes Não Urgentes em Ambulância, subordinado a uma estrutura própria, na dependência directa, orgânica e funcional, da Direcção, embora com delegação de funções num departamento técnico. À respectiva parte do edifício seriam ainda agregados os Serviços Clínicos, dimensionados a novas valências, e que, por conseguinte, deixariam de ocupar as actuais instalações, ficando estas libertas para outras áreas de actividade interna. Em suma, falo da instalação de um verdadeiro Complexo de Saúde, olhando à experiência e tradição associativa neste domínio, o que acontece desde 1933, dotado de áreas de especialidade e terapêuticas, algumas das quais, eventualmente, concessionadas, com vocação para o atendimento a Associados, Utentes de IPSS’s sedeadas na área de actuação própria do Corpo de Bombeiros e População em geral.

Quanto às áreas hoje concessionadas, integradas nas instalações sociais, não menos mereceriam reestruturação, desde logo partindo do princípio que o importante para a revitalização da Associação é gerar movimento e este passa, indubitavelmente, pela capacidade de inovação, rentabilizando potenciais espaços, cedendo-os, mediante contrapartidas seguras, a entidades públicas e/ou privadas, com vista à instalação de serviços de interesse e utilidade para o colectivo, geradores de sustentabilidade e prestígio.

Este seria o projecto a defender… hoje… amanhã…! O projecto susceptível de mudança sustentada; o projecto da cidadania activa em rede; o projecto de todos para todos, rumo à afirmação local de uma instituição com potencial e vocação polivalente!


Luís Miguel Baptista
Ex-Presidente da Direcção
Associado N.º 1628